sexta-feira, 26 de março de 2010

Um bilhete de Drummond:

“Eu tenho andado por estradas de asfalto esburacado, sem acostamento. Por estradas de terra com valas de erosão pelas beiradas. Estradas escavadas em paredões que se fecham em cima. Outras rasgadas sobre abismos, estreitas, sem proteção. Elas se alternam e não parecem ter fim. Tão pouco tempo e tanto caminho andado. Retas, curvas, subidas e descidas, barrancos, pedras e tropeços, gente vindo e indo. Principalmente indo. Nas minhas lembranças, as pessoas estão sempre indo embora. Algumas viram a cabeça e acenam um adeus. Outras olham por sobre o ombro e sorriem. Outras viram as costas simplesmente e desaparecem. Eu me lembro do meu pai indo embora. É sempre assim que eu me lembro dele. Saindo. É como se fosse um homem que só soubesse ir embora. Batendo a porta ou deixando ela um pouco aberta, quando então eu podia ouvir os seus passos desaparecem aos poucos pela rua. Eu me lembro da primeira mulher que eu amei indo embora de um jeito diferente, trancando-se em si primeiro, para depois libertar-se de uma maneira única. Eu me lembro do meu pequeno filho indo embora antes dela, antes que eu pudesse abandona-lo primeiro, como é a regra da vida. Meu pai lia Carlos Drummond de Andrade. Um caminhoneiro que lia Drummond. Um único livro que ele trazia no porta-luvas do caminhão. Um livro ensebado, mas um livro de Drummond. E eu saí do seu caminho ou ele saiu do meu, isto não é importante. Saímos por nossas estradas, nossas malditas estradas de solidão.”.

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